sexta-feira, 6 de maio de 2011

PELOURINHO, JÁ JAZ

PELOURINHO, JÁ JAZ


Convocada por uma agência de viagens para um “Tour Panorâmico” com um casal de turistas hospedados em hotel no Centro Histórico, como de costume, estacionei o carro, no Estacionamento do Pelourinho, aquele mesmo com um histórico tão consistente quanto sua altura, ou melhor, seus dez pisos.

A primeira surpresa dessa tarde foi que o meu casal era, de fato, uma senhora Mãe com seu filho.  Ela, 75 anos, precocemente envelhecida, tivera três filhos, que criou lavando roupas. Recém saída de um AVC do qual herdou leve dificuldade para falar, esta não a impede de comentar que, de toda a família, apenas este filho ainda lhe restava, além de uma neta com 20 anos.

O filho, portador de óculos com espessas lentes que, evidentemente, o auxiliam em suas pesquisas como professor de História em Jaboatão dos Guararapes, PE, é alto, esguio e exibe, constantemente, um belo e franco sorriso de alegria e satisfação pelo viver, não obstante o elevado grau de albinismo e suas consequências.

Foi, realmente, uma tarde muito agradável e extremamente gratificante esta de poder estar com pessoas tão iluminadas e tão abençoadas, não obstante seus dramas pessoais!  E, assim, de regresso ao hotel, obtive, no meu ticket de estacionamento, o necessário carimbo da Coop Pelô, que me outorgaria o desconto do valor da primeira hora de estacionamento, R$ 4,00.

E, então, a segunda surpresa, ao regressar e ao ser-me informado o valor a pagar: R$ 16,50!! Muito fria e agressivamente, a loira (uma Loira!!), que estava no Caixa, esclareceu que o convênio não tinha mais qualquer efeito. Respondi-lhe que deveria ter-me avisado, ao chegar, quando me perguntara se eu era mensalista e eu lhe dissera que era “ACOPELO”. Redargüiu dizendo que o aviso ficara afixado durante uma semana.

Que pena! Justamente quando eu não estivera por lá e, obviamente, imagino, “o hotel se mudara temporariamente’, pois, lá, os funcionários não estavam a par. Falei que, então, teríamos que mudar de estacionamento. E, com o coração apertado pelo valor despendido versus o liquido a receber, após o pagamento de todas as taxas e impostos obrigatórios, rumei para casa e cortei o pão do café da manhã do dia seguinte.

Dois dias depois, ainda muito ressentida com a questão do estacionamento, volto ao Centro Histórico para novo tour.  Opto por outro estacionamento (sob o “Largo Pedro Arcanjo”) e regozijo ao ver, à porta, a tabela de preços: 1ª hora R$ 3,00 e demais horas R$ 2,00. Valores que representariam, ao final do tour, uma soma suportável. Entro no estacionamento, passo pela barreira aí instalada e sou recebida por um segurança de quem eu esperava receber o ticket do estacionamento. 

Surpreendentemente, não obstante as vagas claramente disponíveis, ele convidou-me a sair incontinenti, pela mesma porta pela qual entrara, pois ao perguntar-me a qual órgão eu pertencia, respondera-lhe que “sou Guia de Turismo”.  Dito cidadão, informou que “este estacionamento é exclusivo para os funcionários do IPAC e da Secretaria da Cultura. 

Então, era isso! Fizeram um convênio “vantajoso para os cofres públicos” garantindo-se, de antemão, exclusividade a baixo custo, ou quase. Demais trabalhadores e visitantes do Centro Histórico “que se lixem”, como voga a gíria. E, de fato, que se lixem!! Pois, se o Centro Histórico já estava às traças, o tiro de misericórdia acabara de ser-lhe dado. O Pelourinho assassinado!

Após o tour que terminou às 19,30h, acompanhei a turista até a porta do Teatro Miguel Santana, onde ela assistiria ao espetáculo do Balé Folclórico da Bahia. Contudo, não estávamos sós. Acompanharam-nos dois jovens turistas hospedados em Pousada localizada no Carmo.  Um arquiteto francês e um administrador nigeriano. Amigos em férias, ambos residentes em Londres. Eu acreditava que eles, também, queriam assistir ao espetáculo. 

Profundo e ledo engano! Nós os encontramos na Praça da Sé, quando, sentado na balaustra, com muita simpatia e muito charme, o nigeriano instigava as pessoas a deixarem-se fotografar vestidos com os trajes típicos num dos "sets" aí montados por uma baiana empreendedora individual muito dinâmica.  Assim, com minha ajuda, conseguiram convencer minha turista canadense, 53 anos, administradora de dinheiro.  Portanto, alguém com forte personalidade, determinação e conhecimento.  Com certeza, passamos uma boa meia-hora no local colaborando no convencimento a outras pessoas, fotografando e fazendo-se fotografar como par para que solitários pudessem compor o casal de baianos do "set".

Passada essa “meia-hora”, prosseguimos, as duas, até a Praça Municipal e ao regressarmos, os dois jovens ainda lá se encontravam divertindo-se com a parceria que haviam inventado para a empreendedora. Finalmente, acompanhados por ela, fomos todos ao tabuleiro do “Acarajé da Mary”, o melhor acarajé da Bahia, segundo Ana Maria Braga. E, de lá, agora em quatro, seguimos para o Pelourinho, numa caminhada alegre e festiva que de tour informativo nada tinha. Pois, minha turista, deleitava-se com a companhia dos jovens, realmente, extraordinários e extremamente simpáticos donos de discurso muito atraente, consistente, atualizado e saudabilíssimo.

Da Praça do Pelourinho ela resolvera que, decididamente, ela gostaria de beber uma caipirinha e, assim, instalamo-nos na Cantina da Lua, onde aconteceu nova sessão de fotos, desta vez com Clarindo Silva. Foi daí que seguimos diretamente para o Teatro e os rapazes combinaram com a turista que estariam aí, à porta, a fim de buscá-la para uma nova caipirinha e, em seguida, acompanhá-la ao hotel, próximo à Igreja de São Francisco.  De lá, por volta das 22:00h, estariam seguindo para o Carmo “horário ainda bastante seguro para nós, também. O que você acha?” perguntaram-me ao mesmo tempo em que procuravam certificar-se de que, até o estacionamento, eu estaria segura.

Quanta inversão de papéis! Somente nesse instante dei-me conta que os rapazes haviam se deixado ficar para servir-nos de escudo, ou seja, serem nossos guarda-costas, nossos seguranças, nossos defensores!

É para isto que promovemos o Turismo? Para termos seguranças que, inclusive, nos trazem divisas?! Pois, não obstante ser quinta-feira, no Pelourinho, bares, restaurantes e largos estavam às moscas. O próprio Teatro recebeu uma quantidade ínfima de espectadores. Cheguei a pensar que cancelariam o show! Graças a Deus são profissionais de fato!

Resolvi passear pelos espaços a fim de ter um melhor feeling da situação.  Assim, eram cerca de 20,30h quando adentrei o Largo Quincas Berro D’Água. Foi um choque! Deserto, não havia mais que 10 pessoas! E, ainda, a denúncia de que os gatos do Largo estão morrendo de fome! Uma vez que os restaurantes estão secando por inatividade, os animais não têm mais restos de comida para alimentarem-se e, assim, estão sucumbindo de FOME...

Será necessário escrever mais? Serão necessárias melhores e maiores evidências de que o Pelourinho “já era”?

Será necessário lembrar que no Centro Histórico há inúmeros e interessantíssimos museus de interesse, INCLUSIVE e, por vezes, exclusivo dos soteropolitanos?  Será necessário lembrar que o Restaurante Escola SENAC, assim como os demais restaurantes ali instalados, sobrevive não apenas do Turismo, mas dos soteropolitanos apreciadores da boa cozinha baiana? Será necessário lembrar que já não importa se os vasos de flores “atravancam” a passagem dos turistas, pedestres por excelência? Será necessário testemunhar que, desde as últimas eleições em Outubro passado, esse Pelourinho já não é mais de pedestres, uma vez que os veículos entram, circulam e saem ao seu bel prazer? Pois, já não correm o risco de impedir, por atropelo, o desfrute das belezas arquitetônicas e histórico-paisagísticas desse velho pedaço do Brasil. Também, já não correm o risco de acelerar a destruição desse exemplar tão sui-generis da arquitetura colonial portuguesa, pois a degradação “já come solta” graças à inércia dos nossos dirigentes há algum tempo em estado de permanente catatonia. Praticamente, já não há mais turistas e, muito menos, soteropolitanos...

Já não há mais turistas. Já não há mais soteropolitanos. Já não há mais pedestres. Felizes e benditos os vasos de plantas não retirados pela arbitrariedade e sandice dos prepostos da catatonia. Atualmente, eles ornam essa tumba em que se transformou o Pelourinho. As flores que aí sobrevivem, regadas pelas lágrimas da saudade, melhor do que qualquer palavra, melhor do que qualquer gesto, exprimem “Aqui Jaz o Pelourinho” ou “Jazigo do Pelourinho".  

Nada mais além da dolorosa verdade: PELOURINHO, JÁ JAZ.


Silvia Vannucci Chiappori, 06.05.2011

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