Entrando no Largo Quincas Berro D’Água eu a vi, sentadinha sobre as pernas traseiras, o rosto todo preto, como se centenas de ácaros aí estivessem alojados, os olhos tapados por muito pus. Teria uns quatro meses, talvez mais.
Como eu aí entrava a trabalho, tratei de fazer procurarem uma caixa para que à tarde, ao final do meu dia, eu a pudesse levar para casa a fim de cuidá-la.
E, assim fiz. Ela havia se escondido numa caixa de passagem de cabos elétricos extremamente grossos e aí estava sentadinha da mesma forma, respirando com muita dificuldade.
Telefonei para a veterinária e soube que voltara para casa sentindo-se mal e estava deitada. Então, não podia contar com ela, pelo menos à noite.
Coloquei Francisca na caixa e viemos para casa, ela totalmente dócil e conformada com a viagem. O cheiro de carniça era muito forte.
Aqui chegadas, coloquei-a na gaiola grande já preparada para receb-la e, então, iniciei o processo de limpeza do seu rosto, pescoço e patinhas. Havia um graveto enfiado em sua boca. Retirei-o e veio repleto de pus. O nariz estava tapado por pus. A boca, muito ferida, com bastante sangue, limpei o melhor que pude utilizando gaze e soro fisiológico. Como estivesse muito desidratada não ousei aplicar-lhe nenhum antibiótico subcutâneo e, então, optei por colírio de cloranfenicol que pinguei dentro de sua boca ferida a guisa de desinfetante. Ela, reconhecida, ronronava agradecida.
Deixei-a descansando bem coberta e uma hora depois voltei para ver como estava. Dormia profundamente. Mais uma hora e encontrei-a sentada sobre as quatro patinhas de novo com dificuldade respiratória e com o sangue a pingar-lhe da boca. Novamente limpei o nariz e os olhos que estavam novamente cheios de pus e como anteriormente, pinguei Tobramicina nos olhos. Decidi, então, diluir Capstar e injetá-lo em sua boca infestada de morotós, donde o liquido sanguinolento a pingar-lhe da boca e o imenso mau cheiro.
Então, deixei-a deitada e coberta e mais tarde conferi, novamente. Saíra do bercinho que eu lhe preparara, e estava sentada sobre as quatro patinhas junto à parede lateral da gaiola. Cobri-a e deixei-a tranqüila, já que respirava bastante bem. Fui dormir.
Quatro horas depois, fui vê-la. Novamente tinha os olhos repletos de pus e o nariz, também. Compreendi que havia uma infecção em sua boca e que o pus subia pelo nariz e atingia os olhos. Limpei, novamente, o melhor que fui capaz e vendo que havia morotós mortos e a boca desinchara e não havia mais sangue, com uma pinça tentei retirar alguns deles de sua boca. Ela até facilitava o abrir-lhe a boca não oferecendo resistência. Contudo, tinha dor e seus lábios estavam sem cor. O interior da boca estava bastante “limpo” embora eu não o conseguisse visualizar plenamente. Não podia forçá-la, não podia machucá-la mais.
Então, optei por lavar novamente com o colírio e, penso, talvez, excedi a quantidade, considerando as mais horas passadas sem hidratação. Tinha muito menos pus saindo-lhe dos olhos com os quais enxergava perfeitamente. O nariz estava bastante limpo e, dentro do possível, respirava livremente.
Então, às 08:00h, partimos para a casa da veterinária que dela cuidaria até o dia seguinte. Aí chegadas, embora ela estivesse prostrada, respirava e parecia haver tolerado a viagem dentro da sacola acolchoada. Olhava-me confiante.
Entregue à veterinária, esta encontrou-a morta. Não resistira a mais uma viagem, três quarteirões entre a casa e a clínica, e, assim, repentinamente, abandonou-se nos braços do Senhor.
Tão cedo não esquecerei o seu ronronar carinhoso e reconhecido. Tão cedo não esquecerei aqueles olhos olhando-me tranqüilos, confiantes e agradecidos. Tão cedo não esquecerei que, talvez, o excesso de confiança a tenha matado já que, embora eu estivesse utilizando um colírio, quem sabe, ele foi excessivamente forte para o seu corpinho depauperado e desidratado.
Pobre Francisca! Quanto sofrimento! E, como gato que era, sequer um gemido! Em momento algum! Quanto estoicismo!
Quanto nos ensinam os animais ainda que pequeninos, indefesos e vítimas de maus tratos como foi, sem dúvida, o caso dela, de acordo com o informe do Segurança do Quincas Berro D’Água.
Perdão, Francisca.
Silvia Vannucci Chiappori, 19.04.2011
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