sexta-feira, 11 de março de 2011

CARTA AO MEU IRMÃO


Caro Mano,

Quanto mais o tempo passa, mais envelhecemos e, com isso, a memória volta muito nítida.

Quanto mais o tempo passa, mais me lembro dos nossos pais e do quanto fizeram por nós.

Quanto mais o tempo passa, lembro-me, portanto, dos detalhes da nossa criação e da sua, por exemplo.

Então, é inevitável tecer comparações com a situação posterior, em que você passou a ser pai.

Você teve, da parte do nosso pai, uma criação dura, pois que nasceu após três meninas e ele temia que nós, as meninas, o “dengariamos” demais. Então, foi rígido, mas, seguramente, não tão rígido quando fora a criação dele.

Por outro lado, você nasceu com graves problemas de visão: um forte estrabismo e albinismo de fundo de olho o que reduzia sua visão a cerca de 1/4 da visão normal. Por conta disso, você necessitou dos cuidados contínuos e extremamente zelosos da nossa incansável Mãe.

Em nenhum momento, em nenhuma fase da sua vida você foi abandonado, seja por ela, seja pelo nosso pai, que a TUDO sempre proveu, ainda que, por vezes, trabalhando noite e dia.

Você foi tratado pelos melhores oftalmologistas, freqüentou as melhores escolas, à quais, felizmente, sua inteligência e esforço pessoal sempre fizeram jus. Por mais rígido que o nosso pai possa parecer ter sido, ele JAMAIS o abandonou e esteve SEMPRE PRESENTE incentivando-o e apoiando-o solidamente da melhor forma, milímetro a milímetro de sua caminhada.

Assim, no entanto, apesar de “vesgo” você foi cuidado, amado, zelado e ajudado no crescer e desenvolver todo o seu potencial a fim de tornar-se um cidadão exemplar.  No conceito cidadão exemplar, embute-se o conceito de pai exemplar ao qual, lamentavelmente, você não correspondeu.

Do seu filho, no qual você depositou tantas esperanças a ponto de chamá-lo “Segundo”, você descuidou-se.  Esqueceu-se de olhá-lo de frente e amá-lo de verdade procurando perceber suas carências e necessidades. E, no entanto, você tinha todo o conhecimento, de que seu filho, desde antes de sua concepção, poderia vir a ter necessidades especiais.

Quando nossa Mãe disso se apercebeu, por ocasião de uma visita dela a vocês, ela, sempre zelosa e dedicada, tratou logo de levá-lo a especialistas e tratou de fazer tudo o que necessário se fizesse para repor o tempo perdido e tentar recuperá-lo.

Nesta época, ele já perdera a própria Mãe tão amorosa, tão correta, tão dedicada, batalhadora esforçada e infatigável. Assim, seu filho, por um período, esteve aos cuidados de nossa Mãe até que você a demitisse e “assumisse” os cuidados ao seu filho. Era o que acreditávamos estaria sendo feito...

No entanto, novamente, você esqueceu-se de olhar para o seu filho de frente, olhos nos olhos.  Pois, a realidade era cruel e, como um avestruz, você escondeu a cabeça sob as asas delegando os cuidados dele a outra pessoa, que não tinha qualquer laço de sangue, qualquer laço de carinho, qualquer laço de respeito por mais um ser humano sofredor, ainda que ele fosse, até então, o seu único filho.

Foram anos de crescimento sob muita violência, de muito desrespeito à integridade físico-emocional e mental do garoto, além da maior privação, a do Amor, demonstrado, apenas, com maus tratos de toda sorte.

Até hoje, seu filho já com quase 32 anos, a situação permanece.  E, então, e eu fico a perguntar-me o que lhe teria acontecido, meu irmão, se nossa Mãe não existisse e se o nosso pai o tivesse rejeitado por  você ser “vesgo”? Pois, a Mãe do seu filho, falecida, abandonou-o precocemente e você o rejeita por ser ele um “vesgo” mental.  Você o rejeita por ele não ser o que você idealizara que ele seria: um “Segundo “ à sua altura.  O que você fez para ajudá-lo a ficar mais próximo dessa “altura” que você almejava para ele?

Nada! Muito ao contrário. Negou-lhe o direito de ter sua “vesguice” reconhecida e amparada, ajudando-o a desenvolver-se dentro de suas capacidades e limitações. Você cobra dele comportamentos “normais” e, até, exige dele Carteira de Trabalho assinada! Não o alimenta, não o veste e, malmente, dá-lhe abrigo, quando dá. Assistência Médica? ZERO! Privou-o do Amor e do Material.

Nem o nascimento de um seu segundo filho, ha mais de vinte anos, fez você despertar para os absurdos que você cometeu e CONTINUOU a cometer! Uma de suas vizinhas atuais falando comigo desabafou “Por que para um filho TUDO e para o outro NADA?!”. Por quê? Dois pesos e duas medidas?! Até na piscina(!!) da vossa casa ele não tem o direito de entrar! E, pergunto-me, de que serve ir à Igreja, orar, ouvir pregações, ler a Bíblia se não há Amor?

Porque, meu irmão, o filho não pede para nascer. É nossa obrigação cuidá-lo, ampará-lo dar-lhe todas as MELHORES condições para torná-lo um cidadão completo. A Bíblia faz menção às obrigações do pai. A Bíblia faz menção aos Mandamentos do Senhor.  E, dentre eles está um que poderia ser único.  Bastaria ele, apenas. “Amai-vos uns aos outros”. Ou, “Ama o próximo como a ti mesmo”.

Porque, meu irmão, de você, seu filho não leva esse exemplo. De você, o exemplo que ele tem é que, ou você só ama a você mesmo, ou no “uns aos outros” ele não está incluído, nem esteve, nem estará.  Prova disto são todas as palavras, ações e gestos que você fez e faz questão de continuar emitindo para evidenciar o quanto você o despreza, o quanto você não o ama e o quanto você não quer vê-lo de frente. 

De que adiantou privá-lo de TODAS as fotos da Mãe?! Ele não a esquece e a memória que dela tem é a mais fiel e perfeita possível. Outro dia, disse-me: “Minha mãe era muito meiga”. Quem poderia ter pintado um retrato tão verossímil, tão perfeito em que ela TODA coube em uma única palavra?  Só ele, o próprio filho.

Assim, conforme já tive ocasião de explicar ao seu filho, ao olhá-lo de frente, olhos nos olhos, entre você e ele, seu filho, surge o espectro da falecida Mãe do garoto.  E, este espectro explode em sua consciência, meu irmão.

Portanto, para você, melhor é manter a venda diante dos olhos, a cabeça sob as asas. Pode ser que a freqüência à Igreja anestesie sua consciência.  No entanto, ela, um dia, despertará e, então, você terá que prestar contas a ela e ao próprio Senhor Deus que, desde SEMPRE tudo vê e tudo sabe. 

Boa Sorte!

Sua irmã, Silvia
Salvador-Ba, 11.03.2011

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