sábado, 5 de fevereiro de 2011

CARA OU COROA?!

Fui deitar por volta da meia-noite. A madrugada já ia bem alta quando fui acordada por aquele assobio característico de uma pessoa chamando a outra.

Um assalto! Mantive-me em guarda imaginando as estratégias a adotar caso o evento fosse cá, em casa. Seria, atrás, na casa dos meus cunhados? Eles viajaram. Teriam dado bola ao seu cão? Não se ouvia som algum. O silêncio era total, absoluto. Nossos cachorros não se mexiam. Estariam todos “en garde”?

De repente, ouvi vozes, algumas, baixas que se aproximavam. Na rua? Ou, cá no fundo? Passaram. Alívio! Eram, apenas, passantes. Quem sabe intimidaram os larápios?!

O sono foi-se. Pensei acercar-me do computador onde sempre tenho o que fazer. Mas, ao mesmo tempo, estava tão bom permanecer deitada! Fiquei aguardando a chegada do dia e, assim, pouco a pouco, este surgiu em aurora esplendorosa.

Enquanto isto, o panorama se descortinava e, da posição em que eu estava, via, claramente, uma enorme rachadura saindo, em diagonal, do canto inferior de uma janela do edifício na rua de trás. À lembrança saltou para o edifício em final de construção e com cerca de trinta andares, que desabou em Belém. Esta lembrança remeteu-me ao passado. Vinte e cinco anos, ou mais. 

Meu colega e grande amigo, que, até hoje, se locomove a pé, chegara transtornado com o conversa de dois homens, sentados atrás dele, no ônibus em que viajara atravessando a Cidade do Salvador. Tratava-se de operários de obra, um deles operador de betoneira. Este explicara ao outro que, ao sair, da empresa fabricante do concreto, ele parava na sua casa, despejava parte do concreto para a obra de construção da própria casa, completava com água o vazio que se produzira em seu caminhão e, de lá, seguia para a obra para a qual, efetivamente, o concreto do seu caminhão se destinava.

Meu amigo estava quase em transe, pois muito chocado. Não é para menos! Incitei-o a denunciar, mas não o fez. Por que? Não sei. Ou, talvez, saiba.

De uma família miscigenada, de várias origens, a genética brindou-o com a "Cara", ou seja, com o tipo “negróide atarracado”, enquanto que, entre os vários filhos, há os que “tiraram Coroa”, ou seja, herdaram o tipo “ariano”.  E, se tem algo que meu amigo jamais escondeu foi a sua infelicidade pelo seu tipo físico. Já ouvi intitular-se de pigmeu. Tudo acompanhado de fartas risadas.  Mas, não deixa de ser fato lamentável, pois isto remete-o, inconscientemente e na prática, a uma situação de inferioridade. Ele é uma pessoa brilhante, muito culta e bem preparada que se expressa fluentemente em diversos idiomas e é Doutor em sua especialidade profissional.

Todo ser humano é portador de alguma fraqueza física, mental, emocional, psicológica, postural, profissional, etc. Seria ele, somente ele, interessante para figurar em algum museu?! Ou, o somos todos nós, peças únicas da natureza?! No jogo da vida, na hora do decidir, ou do opinar, freqüentemente, ocorre a omissão, pois, para alguns, a moeda cisma em cair em pé. Nem Cara, nem Coroa. Assim, meu amigo não deu parte da conversa do ônibus.

E, eu o que farei? Deverei advertir da rachadura? Será que já a viram? Já sabem? Como é difícil equilibrar-se sobre uma moeda em pé! O medo, a insegurança, o sentir-se na obrigação de dar satisfação aos outros senão “o que é que vão pensar?” destrói e inibe a personalidade, a iniciativa, a construção do caráter sólido, inquebrantável posto que reto.

Se ao avisar o que vi, escutar dizerem “já sabemos", “já nos disseram’, “estamos tomando providências”, ou, até mesmo, “por que se intromete?” não devemos nos abater, mas, apenas, respirar aliviados, pois, missão cumprida, fizemos nossa parte, não nos abstivemos, não nos omitimos e, felizmente, eles já o sabiam. Apenas, fomos um reforço, o que já é muito bom! Pior seria ver a janela despencando, ou pedaço de parede desfazendo-se, ou, até mesmo, o edifício inteiro desabando com todas as possíveis e inúmeras conseqüenciais nefastas.

A omissão é crime. Honestamente, do meu ponto de vista, mais hediondo que o crime em si.  Pois, saber a priori e não notificar torna-nos cúmplices do mal feito. Não há porque hesitar entre “Cara” ou “Coroa” ou, ainda equilibrar-se na moeda em pé. Significaria ficar "en garde" pelo resto de nossos dias.

É preciso fazer o bingo! Já! Sem titubear! 
Silvia Vannucci Chiappori, 05.02.2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário